Remakes são sempre uma armadilha quando você já viu o original… Mas, às vezes, comparar dois produtos diferentes baseados na mesma história é uma oportunidade única de olhar para duas culturas tão distintas quanto a mexicana e a francesa, por exemplo, e questionar seus próprios conceitos e preconceitos sobre cinema.
Pois foi o México que produziu, em 2013, o filme latino de maior bilheteria na história dos Estados Unidos, quarta maior entre todos os estrangeiros: “Não Aceitamos Devoluções”. Uma comédia familiar sobre um homem (Eugenio Derbez, também diretor e produtor) que cria sozinho uma menina que foi abandonada em seus braços quando bebê e, anos depois, vê sua vida perfeita com ela ser devastada pelo retorno da mãe – uma mãe que ele fez questão de manter idealizada na memória da menina para que ela não soubesse que foi abandonada.

Essa história foi contada, é claro, com alguns afetamentos típicos da tradição mexicana – um humor cheio de caras e bocas, exageros nas cores e nas expressões –, mas surpreendeu, na época, a maturidade com que Derbez fez questão de tratar sua história, escolhendo a dose certa de humor e drama até o ponto em que o público sairia devastado dos cinemas. E saiu. Eu saí.
No Brasil, infelizmente, foram pouquíssimas as pessoas que assistiram ao longa mexicano e a história acabou caindo rapidamente no esquecimento. Agora, a trama retorna aos cinemas com uma versão francesa, protagonizada por Omar Sy (“Intocáveis”) e dirigida por Hugo Gélin.
Quando soube do remake, minha reação foi das mais otimistas: “talvez os franceses consigam lapidar aquele humor novelesco e entregar um drama mais realista, ainda mais sensível”! E por que não? Eu tinha certeza de que o derivado seria melhor que o original. Mas não foi.

“Uma Família de Dois”, como foi intitulada a versão francesa, é quase o mesmo filme – exceto que não é. O carisma de Sy segura a produção na maior parte do tempo e os eventos são praticamente os idênticos, incluindo a caracterização do quarto da menina (um elemento que eu achei que não seria repetido) e a profissão do pai (dublê, o que na versão mexicana faz mais sentido, já que é mostrado, desde o início, como um homem medroso).
Duas mudanças, contudo, acabam fazendo toda a diferença na nova versão. No original, o protagonista é mexicano e viaja ilegalmente aos Estados Unidos em busca da mãe da criança. A questão da imigração, então, assume um papel importante no roteiro e isso jamais poderia ser replicado com o mesmo impacto. A solução foi fazer o personagem de Sy se mudar da França para a Inglaterra e brincar com os estereótipos locais (pense em ingleses gritando e sendo rudes o tempo todo). Mas a verdade é que essa viagem, acompanhada de uma atrapalhada perda de passaporte, mais parece uma enrolação do que algo realmente essencial para a história.

Outra diferença (talvez a mais relevante) é que, no longa de 2013, pai e filha estão constantemente no hospital e, frequentemente, aparecem falando sobre sua saúde ou tomando suas vitaminas. Isso não acontece na nova versão, que esquece o assunto na primeira metade do filme e o recupera apenas na reta final, deixando os espectadores confusos e se sentindo enganados quando a resposta para essas consultas é apresentada. A sensação é de que o desfecho não se amarra com o resto da história e poderia ser facilmente cortado.
O que quero dizer com isso não é que “Uma Família de Dois” peca por não ser totalmente idêntico a “Não Aceitamos Devoluções”, mas justamente o contrário. Se o filme decidiu trabalhar melhor o papel da mãe, por exemplo, ao invés dos medos do pai, talvez ele devesse ter abraçado essa diferença e escolhido caminhos que fossem reforçar esse ponto de vista. Se a ocupação do protagonista ou sua mudança de país não faziam tanto sentido para esse personagem, então que se colocasse uma nova profissão e um novo contexto, conferindo uma conclusão mais satisfatória à sua jornada.
“Uma Família de Dois” é um exemplo do remake ou da adaptação que se esquece de compreender o espírito de uma obra original e se concentra, apenas, em replicar os eventos em outro cenário. O resultado, é claro, fica a desejar. E para quem ainda acha que há algo a se acrescentar à história de Derbez, em dezembro chega aos cinemas uma versão brasileira do filme, com Leandro Hassum no papel principal. Vamos aguardar com o coração aberto.