Eu não sou cara-de-pau.
Não me sinto à vontade abordando pessoas que não conheço e tenho horror à ideia de gravar um vídeo de mim mesma seja em qual for a situação. Dito isso, um belo dia escolhi ser jornalista, e já faz mais ou menos dez anos.
Sei bem que foi por provocação, mas a verdade é que, na época, eu até que conseguia me virar com minha introversão. Em eventos, observava tudo com o bloquinho na mão, ouvia conversas como quem não quer nada e captava detalhes que, mais tarde, transformava em histórias de quem foi, viu, ouviu e saiu de fininho sem ser notada.
Nas entrevistas, conversava por horas a fio e gravava tudo num aparelhinho que, mais tarde, troquei pelo celular. Gostava dessa parte, especialmente porque não importava se o papo tinha sido bom ou ruim, tudo se consertava no texto e alguma coisa, sempre se aprendia. A pressão era quase zero e eu podia me concentrar no que importava: o entrevistado.
Então veio o Facebook. E o Youtube. E o Instagram. E, por alguns segundos, o Snapchat. E tudo o que eu achava que sabia sobre contar histórias se dissolveu como um torrão de açúcar na pia molhada.
Nada contra essas modernidades, em si. Uso (quase) todas e tenho até um canal, menos atualizado do que deveria. Mas sabe o que aconteceu? O repórter Clark Kent de repente se viu Superman. De uma hora para a outra, ninguém mais quis saber da sua história, do seu personagem, da notícia ou do evento – quiseram saber é dele mesmo: do cara com o gravador e de suas aventuras em tempo real. De “ver e ouvir”, passamos a “mostrar e falar” – sem edição, sem tratamento, sem filtro, sem vergonha. De trás da câmera, pulamos para a frente, ainda descabelados e, de discretos e invisíveis, fomos obrigados a erguer a voz e falar mais alto.
E vocês me desculpem, mas eu não falo alto. Não que não possa falar, quando o humor permitir e as estrelas se alinharem, quando o assunto for bom e a companhia também. Mas fazer disso o meu ofício? Aí, é quando minha alma introvertida se intromete e sussurra: “precisamos conversar”.
Pois precisamos conversar, eu e esse jornalismo exibido, porque essa não sou eu. Eu, que ainda ando com o bloquinho na mão e tenho uma coleção de lápis bem apontados numa caneca ao lado do computador, não sou protagonista, sou narrador. Sonho com leitores, não seguidores – e, verdade seja dita, jamais suportaria tamanha encenação.
Já chega, então, de tentar me adaptar a um jornalismo cara-de-pau. Se o mundo pede snaps, lives e stories, eu lhes darei textões. E vestirei minha capa quando ninguém estiver olhando.
Publicado originalmente no site Textão Querido de Cada Dia.