Mesmo que você não seja um leitor dos mais vorazes, se você esteve por perto dos cinemas ou da televisão nos últimos anos, com certeza conhece o sagaz e arrogante detetive Sherlock Holmes. Hercule Poirot, por outro lado, apesar de igualmente brilhante e consideravelmente mais elegante, andava esquecido entre as poeiras das coletâneas de Agatha Christie – até agora.
Na próxima quinta, 30 de novembro, chega aos cinemas uma tentativa muito bem vinda do diretor e ator Kenneth Branagh de trazer de volta os encantos dos “casos de detetive” com a adaptação de “Assassinato no Expresso do Oriente” – uma versão bastante fiel e sem pretensiosas sequências de ação que aguça a curiosidade ao mesmo tempo em que diverte com seus personagens-tipos.
O longa é estrelado por ele mesmo como o bigodudo Poirot e tem um elenco de primeira linha encarnando os numerosos suspeitos do luxuoso trem – incluindo nomes como Michelle Pfeiffer, Daisy Ridley, Willem Dafoe e Judi Dench. A intenção óbvia do estúdio (a 20th Century Fox) é que este seja apenas o primeiro de uma franquia que mostrará cada um dos casos mais famosos da autora, provavelmente lançados sempre nesta época de fim de ano para atrair toda a família.
Pessoalmente, não vejo por que o investimento não seria um sucesso. Há tempos não vemos nos cinemas um mistério tão claro e bem contado como são os clássicos de Christie, embalados quase sempre pela famosa pergunta “quem matou?”. Há, ainda, a vantagem de que boa parte do público mais jovem nunca leu a autora, e quem leu provavelmente o fez há tempo suficiente para ter esquecido quem foi cada um dos assassinos.
“Assassinato no Expresso do Oriente”, em si, cumpre a promessa de transpor para a tela pelo menos parte do suspense que marca a obra original, apesar de seu tom se aproximar mais de um humor ingênuo e de um quebra-cabeças de férias – um inofensivo, mas muito agradável quebra-cabeças de férias. Branagh, sempre certeiro, conquista o público desde a primeira sequência, quando resolve um grande mistério em segundos a partir de uma rachadura na parede, depois de perder horas em busca dos ovos perfeitos. O restante do elenco, nem é preciso dizer, é simplesmente um deleite.
Algo na edição, porém, me pareceu fora do lugar. Uma cena específica talvez tenha sido cortada ou mal amarrada, de forma que a resolução do crime chega no momento errado, depois de uma confissão e de um confronto que jamais deveriam ter acontecido. Talvez seja preciso voltar e olhar novamente, mas o fato é que não temos aquela sensação de “eureca!” que costuma vir ao final dos romances policiais – e isso, para um filme baseado na obra da “dama do crime” em pessoa, é, em si, um delito dos mais hediondos.
Essa conclusão atrapalhada pode, é claro, influenciar nas bilheterias e até nos planos de sequência para o futuro, mas prefiro pensar que não é o caso. Afinal, apesar das falhas, “Assassinato…” trouxe de volta uma sensação antiga e nostálgica de conforto, de quem vê que até as perguntas mais difíceis podem ser respondidas, desde que se preste atenção. Que venha “Morte no Nilo”.