Guillermo Del Toro é um verdadeiro artesão. Seus filmes nunca são apenas histórias a serem contadas – aliás, as histórias talvez sejam meras molduras para os mundos e personagens que ele imagina. Monstros e criaturas mágicas, crianças e excluídos, todos monarcas em seus reinos sonhados, ricos em cores e texturas que parecem pertencer a outro tempo.
Seu mais novo universo se constrói em torno de uma faxineira muda (Sally Hawkins), que vive em cima de uma sala de cinema e tem um ritual matinal muito particular. Seu vizinho (Richard Jenkins) é um desenhista gay solitário, que ama Hollywood e seus sapateados, de quem ela cuida e a quem recorre quando precisa de ajuda num plano arriscado. Um plano que ela elabora quando, no laboratório militar onde trabalha, surge um objeto de pesquisa muito peculiar: um homem-anfíbio, capturado para ser estudado, torturado e, muito em breve, dissecado.
Quando ela o vê pela primeira vez, o homem-sereia – como ela o descreve para o vizinho – acabara de arrancar dois dedos do desagradável chefe de segurança (Michael Shannon), diante do qual ela quase rira, satisfeita e nem um pouco enojada. Logo, Elisa (esse é seu nome) começa a alimentá-lo secretamente com ovos cozidos e música, e lhe ensina uma ou outra palavra na língua de sinais.
Se Elisa conseguirá fugir com a criatura e despejá-la em segurança nos canais que levam ao mar, isso nem parece tão importante diante da tristeza que ela sentirá ao fazê-lo. Afinal, por alguns momentos ela se vira completa – não uma pessoa que não pode falar, não uma faxineira, mas uma mulher amada e desejada, detendo nas mãos um poder inédito.
Talvez seja por isso que o anfíbio nem tenha tanto tempo de tela quanto se poderia esperar. É a evolução dela que vemos, de alguém invisível para a pessoa mais procurada, de alguém solitária para uma mulher banhada num amor que não tem forma (nem cor, nem gênero, nem regras) e que a abraça como água. Daí o título, como a legenda num quadro que só se completa com seu nome.
“A Forma da Água” soma 13 indicações ao Oscar 2018 e, às vésperas da premiação, acumula também uma complicada acusação de plágio – de uma peça de 50 anos atrás. O estúdio alega que Del Toro nunca assistiu à peça e se diz aberto a discutir a questão com a família envolvida. Enquanto o problema não é oficialmente solucionado (as duas partes podem entrar num acordo de direitos autorais, ou simplesmente concordar que não houve influência nenhuma), tudo o que podemos fazer é analisar o filme pelo que ele é: uma extravagante fábula romântica movida por uma aventura ingênua, mas pontuada por cenas de parar o coração.
Tire suas conclusões quando o filme chegar aos cinemas no dia 1º de fevereiro.