Era domingo à noite e eu vinha pensando em Morgan Freeman, #metoo e Times Up. Pensava em como um homem foi incentivado a vida toda a tratar mulheres como objetos e, de repente, querem descartá-lo como um rolo de papel. Tentei escrever sobre isso, mas não consegui. Então liguei a Netflix e resolvi assistir à comédia francesa “Eu Não Sou um Homem Fácil”, que um amigo indicou.
O filme fala de um publicitário machista que, depois de bater a cabeça (clichezão que você vai ter a chance de ver de novo em “Sexy Por Acidente”, com Amy Schumer), acorda numa realidade invertida onde as mulheres são o gênero opressor. De repente, seu projeto é recusado, suas piadas rejeitadas e ele se vê obrigado a trabalhar como secretário para uma mulher que, na outra vida, ele tentava conquistar.
O interessante do humor francês é que ele vem do estranhamento e não do exagero, como o americano. Aqui, o cotidiano banal é mais curioso do que o evento mágico e são as pequenas coisas que dão uma alfinetada quando você menos espera. Como o garçom que presume que homens sempre preferem rosé, ou a mulher que comenta, entre olhares incrédulos, que um funcionário “não só é bonito, como também inteligente”. Mas minha cena favorita é aquela em que, durante um jogo de cartas, uma mulher saca uma dupla de Reis. Triunfante, sua adversária mostra uma dupla de Damas e vence. É isso. Simples assim.
Não que tudo seja assim tão sutil. Me incomoda, por exemplo, o quão descaradamente masculina é a visão do “mundo dominado pelas mulheres” que se mostra ali, apesar de a direção e o roteiro serem assinados por elas (Eléonore Pourriat é a diretora e escreve o roteiro junto com Ariane Fert). O novo cenário não é, nem de longe, a sociedade matriarcal que eu esperava ver, mas sim uma inversão literal de papéis, onde falas tipicamente masculinas saem da boca de mulheres – como a ideia de que elas são “biologicamente mais fortes” ou a irritante mania de fazerem “fiu fiu”. Por outro lado, vale lembrar que esse é o delírio de um homem que jamais enxergou uma mulher como ela é, então o problema, no final das contas, talvez seja intencional.
O fato é que toda essa fantasia maluca me fez pensar, de novo, em Morgan Freeman. Esse protagonista, afinal, é exatamente o que estão dizendo que é o ator: um cara inconveniente que acha que é o dono do mundo. Mas você sabe por que ele acha que é o dono do mundo? Porque as cartas no baralho disseram isso pra ele. Porque os garçons e as secretárias reforçaram isso. Porque seus chefes sempre foram homens, sempre elogiaram seu trabalho e até pagaram mais para ele – só porque ele era homem. E agora a gente quer que ele acredite que não tinha esse direito?
Posso estar errada, mas acho que, no mundo real, empatia não se aprende simplesmente com uma pancada na cabeça.