Nem todos os dias fluem em coerência. Há sábados, por exemplo, que começam com pão e café, mas terminam com punhos apertados e vontade de gritar. O que foi que deu errado entre o nascer e o pôr do sol?
Ah, sim, a quarentena…
Ou talvez tenha sido o vento. Ontem, ele acordou impaciente e quis chegar logo aonde quer que tenha decidido chegar. Cercou as janelas de uivos e derrubou no caminho um vaso meu. O vento não liga para nada.
Também queria não ligar. Queria sair toda confiante e sem hesitar em frente a maçanetas, botões, corrimões, coisas, pessoas, o ar. Queria tocar muros e plantas, sentir texturas, correr, andar, respirar fundo, viajar, apenas estar. Fora da minha casa. Em qualquer lugar.
Queria que eu e todo mundo pudesse viver em carne e osso mais uma vez para lembrar que aquela utopia futurista talvez não fosse tão utópica afinal… Porque estar online para facilitar a vida não é o mesmo que trocar essa vida por uma existência virtual. E a mesma tela que me faz companhia para estudar, trabalhar, conversar, ler, escrever, pesquisar, vender, comprar é a que me dói a vista e a cabeça para me avisar que é preciso olhar para longe, fora, ali, lá. É preciso esticar as pernas, sentir e contemplar.
E foi por isso que o vento me tirou a fluência e a paz. Porque ele não liga se a gente está presente por inteiro ou só metade, se andamos em três dimensões ou em zeros e uns. Ele vai aonde quiser. Como quiser.
Nós não.
Nós cultivamos vidas em vasos, e florescemos sem sair do lugar.