A primeira vez que minha mãe me mandou um postal, ela estava em Nova York. O cartão só foi chegar semanas depois e achei a maior graça, porque foi ela mesma que o recebeu na casa da minha avó. Eu devia ter uns sete ou oito anos e não entendia direito para que servia aquele papel.
Um dia destes, descobri entre as contas de luz e gás outro postal. Esse também atrasou um pouco, mas cumpriu bem melhor sua missão: eu aqui, ela lá. A foto de um bonde amarelo entre paredes cor-de-rosa vinha do Porto, cidade que ela visitara às vésperas do Ano Novo, um mês e pouco depois de se mudar para Viseu, Portugal. No verso, a letra de fôrma dizia que ela e o Mino tinham adorado o passeio e a corrida – a de São Silvestre, que ela sempre correu aqui e que agora estreava cheia de orgulho no novo lar. O ano já tinha virado, mas o sorriso não ligou. Lembrei de Nova York (que eu nunca conheci), do nosso primeiro cartão postal e da casa da minha avó.
Lembrei também de quando eu trocava cartas com minha prima de Goiânia, ou até com uma amiga que morava a poucas ruas de mim e que eu podia ver todo fim de semana. A gente sabia que a palavra escrita à mão continha verdades que nem o telefone, nem um passeio na casa da outra podiam decifrar, então nenhuma de nós se importava em esperar. Era um ritual: narrar nossas vidas e gravá-las em papel estampado, canetas coloridas e adesivos banhados em glitter, depois escorregá-las cheias de suspense pela caixa postal. Aprendi ali que cartas têm memória, elas guardam sentimentos, e aquele bonde amarelo trouxe de longe um misto de encanto, alegria e saudade.
Depois de algum tempo chegou outro, contando que nevou em Viseu pela primeira vez em onze anos. O seguinte veio de Penedono e tinha um castelo nevado, depois outro de Lamego, no Douro, e de Caramulo uma foto de bonecos e carrinhos ilustrando um museu de brinquedos. Um texto mais longo acompanhou a foto de Pontevedra, cidade de onde vem nosso nome, e foi como se eu estivesse lá. Alguns vieram decorados com flores, outros com coraçõezinhos e “beijos, Mama”. Num deles o texto quase não coube, em outros foi um recado rápido, só para não passar em branco.
Não é que a gente precise dos cartões para se conectar, caso você esteja se perguntando. Eu falo com a minha mãe todos os dias e ela sempre fotografa ou filma os passeios que faz a essas cidades de onde manda os postais. Mesmo assim, tem algo na tradição dos souvenirs e na simplicidade das notinhas escritas à mão… É uma condição sincera e especial própria das coisas físicas, como se o papel captasse o momento exato em que ela passou por ali. Pego o cartão sob a porta e imagino-a escolhendo a foto mais bonita, escrevendo com cuidado para não rasurar, decidindo o que contar sobre aquele lugar em tão pouco espaço, como um tuíte analógico. E analogicamente postando a lembrança para cruzar o mar.
Mês passado chegou um cartão do Mosteiro de Batalha – a quarentena em Viseu já está mais tranquila e os dois voltaram a fazer pequenas viagens pela região. Pequenas descobertas. Esse estava selado com um burrinho simpático, um coração e o desejo de que a gente se cuidasse… Ora, com tantos carinhos postais, sinto que eu não poderia estar mais bem cuidada!
(Feliz aniversário, mãe, e obrigada por me incluir em cada jornada. <3)
Os postais não são sobre as fotos e as viagens, e sim sobre o tempo dedicado a compartilhar um pouco de si com o outro.
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Exatamente!!
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Os postais, as cartas, tão repletas de satisfação, alegrias divididas com pessoas do coração. Somente esta energia que as contem podem trazer o prazer do compartilhar e nos fazer vivenciar estes sentimentos
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